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ZEIS: Efeitos Frontais e Colaterais

As zonas especiais de interesse social (ZEIS) foram criadas como um instrumento contra a exclusão social. Estão contempladas no Estatuto da Cidade e em vários planos diretores como o do município de São Paulo de 2002. Terrenos considerados como ZEIS são áreas onde somente  poderão ser construídas  moradias populares em suas varias formas. Constituem trincheiras  contra a exclusão porque nessas áreas o maior e melhor  uso dos terrenos se reduz  à construção de casas populares. O preço do m2 correspondente  a este tipo uso é (na verdade, seria como explicaremos adiante) muito menor  do que se a alternativa fosse  construir um hotel de 7 estrelas.

No interior dos perímetros das operações urbanas  existentes em S. Paulo os moradores de áreas de ZEIS – em geral favelas – recebem outro reforço em suas linhas de defesa: os recursos oriundos da outorga onerosa (captura de mais valias em seu perímetro pela venda de Cepacs p.ex.)  devem ser também utilizados na urbanização dessas comunidades.

Foi esta dupla condição que permitiu a urbanização da favela Jardim Edith na operação urbana água espraiada. Esta ex-favela, aliás, está localizada bem perto da ponte estaiada do Rio Pinheiros e esquina com a av. Luis Carlos Berrini, áreas das  mais caras da cidade de São Paulo.

É verdade que a comunidade organizada da favela jogou um papel decisivo neste desenlace positivo do ponto de vista da inclusão social. Quando a ponte estaiada foi inaugurada o então prefeito Kassab tentou tirar a favela de lá (“limpar” foi o termo utilizado por alguns) para que as fotos da ponte saíssem  “imaculadas”. A comunidade organizada resistiu e fez valer seus direitos de ali permanecer  recebendo os recursos da venda de Cepacs previamente destinados à sua urbanização. Aliás, a venda dos primeiros Cepacs naquela OU deviam ser utilizados na construção da ponte (custo de R$ 180 milhões) e na urbanização da favela (custo de R$50 milhões). A ponte foi terminada e quando de sua inauguração  o processo de  urbanização da favela sequer havia começado. Foi necessária a intervenção da defensoria publica para que um acordo fosse assinado com a Prefeitura e a combativa associação da comunidade. Agora (fev. 2013) a urbanização esta praticamente terminada  em projeto  que contempla alem de cerca de 247 apartamentos de 50 m2, uma creche, um posto de saúde, alem de uma escola de gastronomia.

Mesmo com muita gente jogando contra, a urbanização da favela contou com algumas condições favoráveis: a existência de ZEIS, a existência de uma operação urbana  determinando que todas as favelas existentes em seu perímetro fossem urbanizadas dentro do perímetro, a existência de recursos financeiros oriundos da venda de Cepacs, para não falar da combativa resistência dos moradores cuja grande maioria se recusou a aceitar as pífias compensações oferecidas pela Prefeitura para que desocupassem a área.

O fato da favela ocupar um terreno público também facilitou o processo de urbanização. Este é um aspecto das ZEIS que devemos estudar cuidadosamente. Se o terreno é público é mais fácil destiná-lo à construção de moradias populares  e urbanizar uma favela. Se o terreno pertence a proprietários privados as coisas se complicam. Existem duas situações diferentes: a) ZEIS em terrenos privados vazios, isto é, sem ocupação  e, b) ocupados por favelas.

Vejamos o que pode acontecer com os primeiros. Os proprietários associados ou não com um empreendedor imobiliário podem construir habitações de interesse social em seus terrenos não ocupados  e vende-las com lucro. É o que aconteceu com terrenos ZEIS próximos á futura av. Jose Lorenzon no interior da  OU Água Branca.

Mas, os proprietários privados de terrenos ZEIS não ocupados por favelas podem colocá-los na “engorda”. Especialmente se os terrenos forem bem localizados. Podem esperar até que um governo premido pela necessidade de construir moradias populares os desaproprie. Nesse caso a questão mais importante é o preço do terreno sentenciado pelos juízes na desapropriação: se  o preço de mercado corrente, ou o preço de terra classificada como ZEIS?

Existem alguns indícios de que os preços calculados nas indenizações tem sido os de mercado. Alem disso, não existe um mercado de terras ZEIS cujo preço pudesse servir de referencia.  Esta pratica destrói em grande medida a eficácia do instrumento como barateador de áreas bem localizadas onde famílias de baixa renda possam  reproduzir sua vida social sem as gigantescas dificuldades que enfrentam vivendo na periferia. Se a desapropriação exige um preço tão elevado a pergunta é: de onde sairá o dinheiro para pagá-la? Obviamente o poder publico não dispõe destes recursos. Nem as vultosas somas arrecadadas com a venda de Cepacs na OU Faria Lima e Água Espraiada seriam suficientes. O instrumento perderia, portanto grande parte de sua eficácia.

Nas áreas ZEIS de propriedade privada e ocupadas por favelas praticamente não existe a opção do proprietário e ou empreendedor imobiliário de construir habitações de interesse social. A intervenção governamental é inevitável o que significa além da desapropriação do terreno, remoção provisória das famílias em programas de aluguel social enquanto se urbaniza a área etc.

Este parece ser o caso da favela  Coliseu-Funchal no interior da OU Faria Lima localizada em terreno privado  e a  espera de urbanização há mais de 10 anos.  “Cercada” por edifícios triplo A como o E-Tower, o centro empresarial Millenium e a impoluta ex-Daslu  a favela também contava com um campo de futebol onde todo fim de semana eram realizados jogos com outras comunidades.  Mas  não sendo um terreno de ZEIS, o campo foi requisitado pelo proprietário e ali construída uma grande torre de espaços comerciais e de serviços de alto padrão completando o cerco á favela.

O Plano Diretor de São Paulo (2002) estabeleceu mais de 900 áreas de ZEIS ocupando um total de cerca de 32 km2. Seria importante estabelecer quais destas áreas são publicas e quais pertencem ao setor privado. Entre as que se encontram em terrenos privados quais as que estão ocupadas por favelas e quais se encontram em terrenos vazios. E nos casos de decisões judiciais de desapropriação quais os preços pagos aos proprietários. Seria importante também uma campanha de esclarecimento aos juízes sobre os diferenciais de preços entre terrenos classificados como ZEIS e os demais. Seria importante também estabelecer uma política de incentivos econômicos e financeiros aos proprietários privados dessas áreas que estivessem dispostos a construir moradias populares. Ao mesmo tempo seria conveniente  declarar estas áreas como passíveis de edificação compulsória reduzindo a margem de manobra daqueles que permanecem à espera de uma indenização generosa, furtando-se a dar á propriedade territorial urbana sua função social como determina a Constituição Federal de 1988.

5 comentários

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  1. Paulo Sandroni

    Estimado Sr. Vivancos,

    Uma das alternativas existentes é o sr. procurar alguma construtura que se dedique a construir Habitações de Interesse Social. Existem casos em São Paulo relativamente exitosos ( na Operação Urbana Agua Branca perto da rua José Lorenzon) de construoras que se dedicaram a esse segmento de mercado em terreno declarado Zeis. Se o sr. tem pressa em negociar seu imóvel creio que esta seria a melhor alternativa.

    Saudações

    Paulo Sandroni

  2. Patrick

    Prezado Sr. Sandroni,

    Permita-me realizar algumas perguntas sobre o artigo “ZEIS: Efeitos Frontais e Colaterais”, o qual me deixou bastante interessado.

    Gostaria de saber mais sobre as Zonas Especiais de Interesse Social, ZEIS. Por exemplo:

    1. As ZEIS existem em todo o território nacional?
    2. Onde posso conseguir um mapa das ZEIS da cidade de São Paulo?
    3. Qual documento devo procurar para saber se determinado terreno ZEI é público ou privado?

    Cordialmente,

    Patrick.

    1. Paulo Sandroni

      Estimado Patrick,

      Depois da aprovação do Estatuto da Cidade em 2001 estre instrumento de intervenção urbana pode ser adotado em qualquer cidade brasileira. No entanto, ele já existia antes e as cidades pioneiras foram Recife, Diadema e São Paulo. O Plano Diretor estratégico do municipio de São Paulo determinou mais de 900 areas de Zeis. Algumas muito bem localizadas como o terreno onde ficava a favela do Jardim Edith ( agora urbanizado com Habitações de Interesse Social) na Operação Urbana Agua Espraiada e onde ainda fica a favela Coliseu na OU Faria Lima. O mapa onde estão as Zeis voce pode encontrar no Plano Diretor Estratégico de São Paulo de 2002. Agora a determinação de quais terrenos são publicos e quais privados somente fazendo uma consulta na Prefeitura ( talvez o pessoal da EMURB tenha esta informação).

      Saudações

      PSandroni

  3. Paulo Sandroni

    Estimado Severino,

    Esqueci de responder se teria alguma estimativa do custo da tarifa zero. Estou analisando a questão e ainda não tenho todas as informações necessárias mas creio ( ainda não estou certo) que nas condições de hoje o custo poderia ser inferior a 5 bi por ano. Mas este não é um numero definitivo. É ordem de grandeza.

    abs.

  4. Paulo Sandroni

    Estimado Severino,

    Este custo mencionado pelo prefeito seria anual.
    E necessário ver como ele chegou a tal conclusão e se descontou a redução de custos correspondente a não ter o custo do cobrador e da cobrança da tarifa em geral que alcançava na época em que propusemos a tarifa zero cerca de 22% da tarifa.

    abs.

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