↑ Retornar para Urban development papers

A Dinâmica do Desenvolvimento Urbano no Distrito do Tatuapé

A DINAMICA DO DESENVOLVIMENTO URBANO NO DISTRITO DO TATUAPE: mudanças de uso, verticalização e outorga onerosa do direito de construir, uma análise empírica.

O Distrito de Tatuapé ocupa cerca de 8 km2 da área urbana do Município de São Paulo de cerca de 960 km2 e lá estão sendo construídos os dois edifícios de maior altura da cidade. (Ver foto 1)

foto 1

A área é cortada por via férrea cujo trajeto de leste a oeste a separa em duas partes bem definidas pelos diferenciais de altitude: a parte norte com altitudes variando de 720 m correspondente ao leito do rio Tiete até 745m por onde passa a linha da estrada de ferro Central do Brasil e deste ponto se estende a parte sul até a altitude de 275m no limite do distrito vizinho de Vila Formosa.

Nas últimas décadas, especialmente a partir de 1995 o distrito vem sofrendo grandes transformações não apenas quanto ao uso dos terrenos, mas também no que se refere à densificação. Moradores de classe média e classe média baixa estão sendo substituídos por residentes de maior poder aquisitivo pertencentes à estratos mais altos da classe média em edificações verticais como é o caso de grande parte dos novos projetos realizados na região.

Estes estão sendo também realizados em terrenos ocupados por fábricas, e em alguns casos em glebas anteriormente utilizadas para a produção hortigranjeira e inclusive por vinhedos (foto 1A).

foto 1A

Aparentemente a área então construída do distrito não sofreu muito com a grande inundação de 1929, isto é, a grande enchente que ocorreu antes da canalização do rio Tiete. A cota máxima das águas na região atingiu 724 m, sendo a cota normal do rio de 720 m; a linha férrea que corta o distrito em dois está situada numa altitude de 745m. Esta maior altitude a protegeu contra a inundação de 1929 e é possível que tal característica topográfica tenha viabilizado a construção de garagens no subsolo destes dois edifícios mais elevados sem a necessidade de grandes investimentos em impermeabilização (2). (Ver foto 11)

foto 11

A área vem acusando considerável aumento de densidade construtiva a partir de 1995 como pode ser verificado pelo Quadro I. Como referência comparamos com o distrito do Itaim Bibi –a localização dos dois distritos é registrada na foto 2- cuja área é mais ou menos a mesma e apresenta outra semelhança com a do Tatuapé: parte dela é composta de terrenos “produzidos” pela canalização do rio Pinheiros assim como fração do Tatuapé é área originada na canalização do rio Tiete.

foto 2

Quadro I

O Coeficiente de Aproveitamento Efetivo (*) no Município de São Paulo, no Distrito de Tatuapé e no Distrito do Itaim Bibi entre 1995 e 2019.

O Quadro I mostra que, entre 1995 e 2019 a densidade média do município (Construção/ área) passou de 0,54 para 0,84; no distrito de Tatuapé aumentou de 0,86 para 1,55; no distrito de Itaim Bibi (tomado como referência) o indicador aumentou de 1,34 para 2,86.

É interessante observar que este aumento de densidade construtiva se manifesta também no aumento do número de unidades tributadas pelo IPTU entre 1995 e 2020 especialmente nas ruas do setor sul do distrito. Selecionamos cinco ruas uma delas no setor norte, três no setor sul, e uma presente em ambos os setores. Os dados são os seguintes: (veja localização das ruas na foto 3)

foto 3

Quadro II

Número de unidades (*) tributadas por IPTU entre 1995 e 2020 em 5 ruas selecionadas no distrito do Tatuapé

Nota-se um intenso crescimento de unidades tributadas nas três ruas do setor sul, nas quais várias operações de OODC foram realizadas e nenhuma alteração significativa na rua selecionada do setor norte do distrito. Ocorre que a rua Vilela ocupa tanto o setor norte como o sul do distrito e nela foram realizados 5 projetos de OODC sendo 2 no setor norte e 3 no sul.

Esta densificação tem se caracterizado pelo aumento da verticalização como mostra o Quadro III.

Quadro III

Evolução da área e construção de edificações verticais de alto padrão, e CA Efetivo no Município de São Paulo nos Distritos de Tatuapé e do Itaim Bibi entre 1995 e 2019 (em 1.000m2).

O Quadro III mostra que em relação às edificações verticais de alto padrão as alterações entre 1995 e 2018 foram as seguintes: enquanto no município o coeficiente de aproveitamento efetivo aumenta de 5,1 para 5,2 no Tatuapé este crescimento passa de 4,7 para 5,9 e no Itaim Bibi de 5,8 para 6,6.

A mudança de uso pode ser avaliada pela redução da área ocupada por estabelecimentos industriais entre as duas datas:

Quadro IV

Área (1.000m2) ocupada por estabelecimentos

Industriais no Município de São Paulo e nos

Distritos do Tatuapé e Itaim Bibi entre 1995 e 2018

O Quadro IV mostra que o índice de área utilizada por estabelecimentos industriais diminui no município de São Paulo de 100 para 76,1, no distrito do Tatuapé este índice encolhe para 36,3 e no Itaim Bibi para 11,8. No distrito do Tatuapé esta redução é evidenciada também pelo número de empresas industriais existentes: das 279 instaladas a partir do começo do século passado apenas 97 ainda existiam em 2020 (3).

A queda na área ocupada por terrenos vacantes também se reduz embora com diferenciais menos acentuados como mostra o Quadro V:

Quadro V

Área (1.000m2) ocupada por terrenos vacantes no Município de S. Paulo e nos Distritos do Tatuapé e Itaim Bibi entre 1995 e 2018.

No município o índice diminui de 100 para 59,0 enquanto nos distritos do Tatuapé e Itaim Bibi este cai para 48,4 e 55,3 respectivamente.

O aumento da densidade construtiva entre 1995 e 2020 foi acompanhada nos projetos que pagaram a OODC por intensa valorização real dos terrenos utilizados se tomarmos por referência os valores da PGV. O Quadro VI mostra a valorização real dos terrenos utilizados entre as duas datas.

Quadro VI

Variação real de valor de terrenos utilizados em 78 projetos pagando OODC entre 1995 e 2020

Podemos observar que 32 dos 78 projetos registraram uma valorização real dos terrenos utilizados de 300 % ou mais entre as duas datas sendo que todos observaram uma valorização real maior do que 50%.

Os projetos de OODC no Distrito do Tatuapé e Itaim Bibi

A partir de 2004 e até 2018 o distrito aprovou 124 projetos que solicitaram direitos adicionais de construção e pagaram contrapartidas econômicas na forma de outorga onerosa do direito de construir.

O Quadro VI – B apresenta os dados mais relevantes incluindo o Itaim Bibi como referência.

Quadro VI – B

Número de projetos utilizando OODC, área adicional solicitada, valor das contrapartidas pagas em R$ e U$ nos distritos de Tatuapé e Itaim Bibi entre 2004 e 2018.

Os projetos de OODC no distrito do Tatuapé

Embora não seja considerada área na qual os preços da terra sejam dos mais elevados da cidade o Tatuapé foi o terceiro entre os seis distritos que receberam mais de 100 projetos de OODC conforme a quadro abaixo mostra:

Quadro VII

Quantidade de projetos aprovados de OODC nos seis distritos que mais receberam projetos entre 2004 e 2017 e a situação no Itaim Bibi.

A arrecadação pela venda de potencial construtivo entre 2004 e 2018 – total e por m2- (preços de 2018) nos distritos de Tatuapé e Itaim Bibi apresentou os seguintes montantes:

Quadro VIII

O distrito do Itaim Bibi arrecadou mais com uma quantidade menor de m2 vendidos do que o Tatuapé uma vez que ali os preços dos terrenos são bem mais elevados (parte da área é atravessada pela Av. Faria Lima).

A Mudança de Uso

Os projetos de OODC foram realizados em terrenos que admitiam três tipos de ocupação diferentes: terrenos vacantes (primeira geração uso anterior agrícola), ocupados por residências com baixa densidade (segunda geração) e áreas industriais (segunda geração).

Agrícola x residencial urbano

Algumas áreas do distrito foram utilizadas em projetos de edificação pagando OODC, mas passando diretamente do uso anterior agrícola para um uso construtivo urbano.

O projeto na Rua Azevedo Soares 1826 ocupou um terreno de 15.000m2 (fotos 3A 4 e 5) no qual o CA básico era 2,0 e solicitou um máximo de 2,5 (7.499 adicionais) pagando em 2007 R$ 1.348.716 por tais direitos adicionais de construção.

foto 3A

foto 4

foto 5

Industrial x residencial

Vários projetos aprovados utilizaram terrenos antes ocupados por unidades fabris de médio porte denotando um claro processo de mudança de uso. Ao longo da rua Tuiuti que corta a distrito de norte a sul, e no trecho norte indo da marginal do rio Tiete até a via férrea Central do Brasil três projetos ilustram esta mudança de uso.

Nos números 569, 626 e 728 (ver fotos 6 e 7) antes ocupados por unidades fabris três projetos utilizando OODC foram aprovados com as seguintes características:

foto 6

foto 7

Quadro IX

É interessante observar que a mudança de uso de industrial para residencial vertical resultou em grande aumento da densidade: quando o uso era industrial o CA efetivo alcançava 0,35 1,06 e 0,92 nos números 569, 728 e 626; com a verticalização este coeficiente aumentou para 4,42 6,21 e 6,04 respectivamente.

Residencial horizontal x residencial/comercial vertical

Os projetos que resultarão nos dois edifícios mais altos da cidade ilustram bem a passagem de ocupações residenciais horizontais de baixa densidade e/ou industriais de médio porte para construções verticais residenciais/comerciais de alta densidade.

O projeto da Rua Bom Sucesso 220

A empresa imobiliária Caraguataí adquiriu todos os 37 imóveis existentes no quarteirão formado pelas ruas Bom Sucesso, Vista Alegre, Monte Santiago e Caraguataí pretendendo construir (em projeto aprovado em 2017) um edifício residencial de 178 m de altura. Este quarteirão está situado a 748 m de altitude sendo a do rio Tiete de 720m. Fotos 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14.

foto 8

foto 9

foto 10

foto 11

foto 12

foto 13

A dimensão dos lotes adquiridos foi a seguinte:

Situando-se a 28m acima do nível do rio foi aparentemente possível construir garagens subterrâneas sem maiores custos de impermeabilização do solo (ver foto 11).

foto 11

A área ocupada pelo conjunto destes 37 imóveis alcançava 6.400 m2 e nela estavam construídos 5.842 m2 sendo o CA efetivo de 0,91 evidenciando baixa densidade. O projeto solicitou a passagem do CA Básico 2,0 para CA Máximo 3,0 (4) resultando na aquisição de 6.400m2 e pagando R$ 2.651.646 como contrapartida da OODC, ou R$ 414m2; o valor cadastral em 2017 nesta área alcançava R$ 2.404 valor por sua vez inferior ao preço de mercado dos terrenos no quarteirão do projeto. O projeto terá unidades residenciais não maiores do que 90m2, assim como espaços comerciais. Estes números revelam que a aquisição de direitos adicionais de construção foi muito vantajosa para o empreendimento.

Entre 1995 e 2020 a valorização dos terrenos nesta área foi bastante intensa se tomarmos os números registrados na PGV. Uma amostra do valor cadastral (PGV) retirada nas quatro ruas que delimitam este quarteirão evidenciam esta valorização:

Quadro X

Valor cadastral em quatro ruas selecionadas e crescimento real entre 1995 e 2020

O valor cadastral da terra aumenta quase 200% em termos reais e supera o valor das construções cujo crescimento real alcançou quase 60%.

O projeto da rua Itapeti 141

Em 1995 o terreno no qual o projeto está sendo realizado pertencia á Anakol Comercio e Industria, situado na rua Serra de Juréa 841. Com área de terreno de 5.104 m2 e com construções de 3.756 m2 apresentava um coeficiente de aproveitamento efetivo de 0,73. A partir de 2015 o imóvel aparece como pertencente ao Laboratório Wyeth Whitehall e em 2016 no processo de solicitação de alvará de construção o terreno apresenta como proprietário a empresa imobiliária Serra de Juréa Incorporações com endereço à rua Itapeti 141, na altura do cruzamento com a rua Serra de Juréa.

O projeto consiste na construção de um prédio com 51 pavimentos (dois subsolos para garagens) e área total construída de 26.398m2 sendo apenas 12.738m2 computáveis e destes 2.531m2 objeto da OODC ou o aumento do CA de 2,0 para 2,5. O CA efetivo passaria a 5,17 evidenciando um aumento significativo da densidade construtiva no terreno. A mudança de uso pode ser observada pelas fotos 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 22 que mostram a evolução da área entre 1930 / 1958/ 2019.

foto 15

foto 16

foto 17

foto 18

foto 19

foto 20

foto 21

foto 22

Em 2016 a contrapartida paga pelo interessado alcançou R$ 2.138.062 ou R$ 844 m2 sendo que a PGV registrava um valor de R$ 2.245m2 na rua Itapeti e de R$ 2.643 na Serra de Jura. O interessado pagou, portanto, cerca de 1/3 do valor PGV do metro quadrado de terreno que por sua vez é um valor inferior ao preço de mercado.

Conclusões

A dinâmica imobiliária no distrito do Tatuapé que se caracteriza por uma rápida mudança de uso é uma das mais intensas na cidade de São Paulo nos últimos 30 anos. Especialmente o setor sul no qual os terrenos têm maior altitude tem recebido a maior parte dos investimentos imobiliários, especialmente aqueles que tem sido objeto da OODC. Uma característica importante do distrito é que tais projetos se desenvolvem em terrenos de segunda geração originalmente ocupados por residências horizontais de baixa densidade construtiva e por fabricas e plantas industriais de pequeno e médio porte, mas também em terrenos de primeira geração, isto é anteriormente ocupado por atividades agrícolas e sobre os quais nenhuma construção urbana havia sido feita.

Observa-se na área uma significativa valorização dos terrenos, se tomarmos por referência a PGV assim como a existência ainda de uma quantidade significativa de área de terrenos vacantes – 293.000m2 em 2018 segundo a PGV, e de 288.000m2 ocupados por estabelecimentos industriais. É possível que estes dois elementos, isto é, terrenos vacantes de um lado e áreas de grandes dimensões ocupadas por fábricas e plantas industriais contribuam para a aceleração da mudança de uso na área do distrito.

Notas

(1) – É interessante assinalar que algumas ruas da área são batizadas com nomes que evocam sua origem agrícola: Francisco e Emília Marengo, Antônio Camardo correspondem a famílias de imigrantes italianos que se estabeleceram em São Paulo no início do século XX e cultivavam uvas nos terrenos do distrito. A rua denominada Da Meação que embora situada no distrito vizinho de Vila Formosa alcança até o limite do distrito do Tatuapé refere-se a uma forma de relação de produção (parceria) bastante comum na agricultura paulista até meados do sec. XX.

(2) – Um dos edifícios está situado em terreno com altitude de 248m e outro em altitude de 275m, numa área também denominada sintomaticamente ‘altos do Tatuapé’.

(3) – Informação Gazeta do Tatuapé de 24 de dezembro de 2020.

(4) – Existem dois registros deste projeto com números diferentes. O primeiro aparece com a solicitação de ampliação do CA básico 2,0 para CA máximo 3,0; o segundo solicitando a passagem do CA básico 1,0 para o CA máximo 4,0 acrescido este da cota de solidariedade de 10% resultando no CA máximo de 4,4. Não temos a informação se a contrapartida pela OODC teria sido alterada por receber o interessado maiores direitos adicionais de construção.