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jan 21 2020

Cepacs: Leilão 2019 – Operação Urbana Faria Lima – São Paulo

Cepacs: considerações sobre o leilão de dezembro de 2019 na Operação Urbana Faria Lima em São Paulo

O leilão de Cepacs realizado em dezembro de 2019 na Operação Urbana Faria Lima rendeu à Prefeitura mais de 1,6 bilhão de reais (1). Cerca de 16 empresas imobiliárias pagaram R$ 17.601 por cada um dos 93 mil Cepacs postos à venda o que representou um aumento espetacular se compararmos com o preço de R$ 1.100 pelo qual os primeiros Cepacs foram vendidos em 2004, no primeiro leilão realizado na O. U. Faria Lima.

Aliás, diga-se de passagem aquele primeiro leilão fracassou: dos 90 mil Cepacs postos à venda menos de 10 mil foram comprados ao preço inicial de R$1.100. No leilão de dezembro de 2019, no entanto, se compararmos com o preço praticado naquele primeiro leilão houve um aumento real de mais de 650%!

Mesmo tratando-se de uma das regiões mais caras de São Paulo, uma pergunta surge naturalmente: um preço tão elevado pela aquisição de direitos adicionais de construção é compatível com o preço final a ser pago por eventuais compradores. Em outras palavras haverá demanda para um produto que apresenta custo tão elevado em um dos seus principais insumos?

Comenta-se que muitos empresários ficaram decepcionados e insatisfeitos com o resultado, pois o preço final sustentado por alguns tornou o custo destes direitos incompatível com seus planos de negocio. Dos cerca de 50 participantes interessados menos de 20 efetivaram a compra àquele preço final.

A Conversão dos Cepacs em m2

Devemos esclarecer em primeiro lugar que na OU Faria Lima cada Cepac pode equivaler a mais de 1,0 m2 de direitos de construir, ou a menos dependendo do local onde será utilizado e da finalidade da construção.

No caso da OU Faria Lima dependendo do local e do uso no qual será utilizado esta equivalência pode variar entre 0,5 m2 (nos terrenos mais caros) até 2,8 m2 (nos terrenos mais baratos).

Isto significa que se for usado nas áreas mais caras em projetos residenciais o incorporador estará pagando cerca de R$ 22.000 por cada m2 de direito adicional de construção, enquanto se utilizar nos terrenos mais baratos pagará um pouco mais de R$ 6.000 m2 por tais direitos. No caso de projetos de comercio e serviços pagará R$ 35.202, nos setores mais caros e cerca de R$ 9.700 nos mais baratos.

No primeiro caso o preço parece ser incompatível com o que a construtora teria de cobrar pelo m2 construído para viabilizar uma taxa de retorno esperada; no segundo caso, seria compatível com o preço final do m2 de construção variando entre R$25.000 e R$ 45.000. É provável, portanto, que as empresas que compraram estes Cepacs os utilizarão em setores nos quais cada um equivale a mais de 1,0 m2.

Analisando 16 construtoras que já declararam a intenção de vincular Cepacs adquiridos no mencionado leilão à terrenos de sua propriedade conseguimos identificar 8 casos que reforçam a hipótese do uso de Cepacs em lotes nos quais cada um pode equivaler a mais de 2,0 m2 especialmente nos setores de Pinheiros e Hélio Pelegrino para projetos residenciais.

Quadro I

Empresas que solicitaram vinculação de Cepacs adquiridos no leilão de dezembro de 2019 (*)

(*) – Estes dados indicam os terrenos onde provavelmente serão utilizados os Cepacs. Necessitam de confirmação pela Prefeitura.

O quadro anterior mostra que apenas um dos 8 locais indicados apresenta um índice de conversão dos Cepacs inferior a 2,0 m2 se o uso for residencial. No caso de projetos de comercio e serviços a situação se inverte: somente em um lugar a equivalência supera 1,0 m2/Cepac (1,8 m2/Cepac) sendo que em um deles equivale a 0,5m2.

Neste ultimo caso, um projeto de comercio e serviços estaria pagando cerca de R$ 35.000 por m2 adicional de construção. Mesmo considerando uma porcentagem de área não computável vendida como área útil este preço tornaria muito difícil viabilizar financeiramente tal projeto.

Existe um projeto adicional não incluído no Quadro I que devemos considerar uma vez que os dados correspondentes foram divulgados pela imprensa: a GTIS adquiriu terreno de 17.800 m2 onde se localiza o Hipermercado Extra no qual pretende utilizar parte ou a totalidade dos 27.000 Cepacs adquiridos no leilão. Nesta área cada Cepac equivale a 2,5 m2 se o uso for residencial, e a 1,7 m2 se o uso for destinado a comércio e serviços.

Este terreno esta localizado na rua João Cachoeira n. 899 esquina com a Av. Juscelino Kubitschek, com área de 17.849 m2 e com construção de 58.198 m2, edificada em 2001 (portanto antes do PD de 2002) sendo o Coeficiente de Aproveitamento Efetivo de 3,26 e o índice de obsolescência 0,84. Ou seja, trata-se de construção não muito antiga ainda conservando boa parte de seu valor. Este terreno já estava ocupado na citada rua João Cachoeira antes da construção da Av. Juscelino Kubitschek sobre o riacho (Uberaba), e se situa a uns 400 m da Av. Faria Lima.

Para utilizar o CA 4 o empreendedor teria que adquirir 21.500 Cepacs no caso de projeto para uso residencial e pagando R$17.601 por cada teria desembolsado R$ 378 milhões em números redondos; no caso de projeto para usos de comercio e serviços deverá utilizar 31.500 Cepacs e desembolsaria R$ 554 milhões. Como esta quantidade de Cepacs ultrapassa os adquiridos no leilão, é possível que o projeto reúna edifícios residenciais e de comercio e serviços.

Supondo que a GTIS comprou o imóvel, quanto teria pago pelo mesmo? A revista Isto É informa que o preço alcançou 350 milhões em 2017. Utilizando o valor venal de referencia do imóvel para fins do pagamento do ITBI temos um valor total (terreno +construção nele existente) de R$ 321 milhões naquele ano.

O investimento em terreno (latu sensu) seria equivalente a: R$ 378 mi (Cepacs) + R$ 321mi (terreno) = R$ 699 mi no caso de projeto residencial e, R$ 554 mi (Cepacs) + 321 mi (terreno) = R$ 875 mi no caso de projeto de comercio e serviços (2).

Utilizando o CA4 o construtor poderia edificar 71.396 m2 no terreno. Considerando um adicional de 30% nesta área a titulo de área “não computável” (varandas p. ex.) vendida como área útil, teríamos um total de 92.814 m2 de área útil a ser vendida aos clientes;

Neste contexto vejamos três alternativas de valor final de venda do m2 construído para projetos residenciais e de comercio e serviços:

 

Projeto Residencial

 

a) Se o investimento em terrenos representar 15% do valor de venda, o preço do m2 será R$ 50.100;

 

b) Se o investimento em terrenos representar 20% do valor de venda, o preço do m2 será R$37.700;

 

c) Se o investimento em terrenos representar 25% do valor de venda, o preço do m2 será R$ 30.100.

Projeto de comercio e serviços

 

a) Se o investimento em terrenos representar 15% do valor de venda, o preço do m2 será R$ 62.00;

 

b) Se o investimento em terrenos representar 20% do valor de venda, o preço do m2 será R$ 47.100;

 

c) Se o investimento em terrenos representar 25% do valor de venda, o preço do m2 será R$ 37.700.

Considerando ambos os usos os preços de venda que admitem uma participação do custo do terreno entre 20 e 25% do preço final são compatíveis com os valores praticados na região do entorno da Av. Faria Lima considerando as construções com padrão muito elevado de qualidade.

Para que se tenha um referencial vejamos a estrutura de preços de projeto residencial em construção localizado em frente ao Hiper Mercado, mas do outro lado da Av. Juscelino Kubitschek na rua Eduardo de Souza Aranha 318.

Este projeto esta sendo construído em terreno de cerca de 1.500 m2 resultante da fusão de 10 lotes, 3 na mencionada rua e outros 7 na rua Bandeira Paulista. O “Le Park” edifício de alto padrão com 28 andares com um apartamento por andar medindo 303m2 e anunciado por R$ 7.900.000 ou R$ 26.000 m2.

Localizado dentro do perímetro da OU Faria Lima necessitou adquirir Cepacs para construir 8.484 m2 de área útil. Estes devem ter sido comprados em leilões anteriores e o preço máximo alcançado então foi um pouco superior aos R$ 6.700, embora no mercado secundário tenha superado a marca dos R$ 10.000 depois do leilão de 2010.

Se considerarmos o valor venal de referência destes terrenos utilizado para o pagamento do ITBI teremos o m2 girando em torno de R$ 7.500 e o registrado na Planta Genérica de valores em torno de R$ 5.100.

Em ambos os casos a participação do valor do terreno (m2) no valor final do produto (construção) gira em torno de 20 a 25% o que pode ser considerado um índice um pouco elevado embora compatível com uma rentabilidade satisfatória.

Na mesma área da OU Faria Lima em ruas próximas outros apartamentos de alto padrão vem sendo anunciados. Na Praça Pereira Coutinho apartamento de 822m2 é oferecido a R$ 38.900.000 o que significa preço de R$ 47.300/m2 (3).

Os elevados preços pagos pelos Cepacs no leilão de dezembro de 2019 indicam que as construções serão de alto padrão e vendidas por preços variando entre R$ 30.000 e 45.000 m2. Resta esperar que os dados a serem divulgados futuramente pela Prefeitura confirmem ou não estas projeções.

Notas

  • Para que se tenha ideia da magnitude desta quantia basta dizer que a receita estimada com IPTU para o ano de 2019 alcançou cerca de R$ 11 bilhões. Esta receita é utilizada em sua totalidade para financiar investimentos.

  • Deixamos de lado a correção monetária entre 2017 e 2019.

  • Para que se tenha uma ideia do tipo de imóvel basta dizer que o mencionado dispõe de 9 banheiros e o condomínio equivale a R$16.000. Estes números dão uma ideia da desigualdade no Brasil: um mês de condomínio equivale a um ano e quatro meses do rendimento de um trabalhador que receba salário mínimo!