«

»

out 28 2010

O Dilema do Carcereiro

Na Teoria dos Jogos a contradição entre ações individuais racionais e resultados coletivos desastrosos é ilustrada por uma conhecida alegoria denominada “O Dilema do Prisioneiro”.

No Brasil, esta alegoria poderia bem denominar-se “O Dilema do Carcereiro”.

A estória é a seguinte: um perigoso bandido é preso e deve ser mantido incomunicável. A primeira coisa que o poderoso delinqüente faz é ameaçar o carcereiro sentenciando-o à morte se não lhe for entregue um telefone celular através do qual possa prosseguir comandando sua quadrilha e cometendo crimes.

Diante da ameaça, o carcereiro pensa: se cumprir o regulamento e não entregar o celular serei recompensado. Se facilitar o aparelho, e a direção do presídio descobrir serei punido severamente. Mas se não entregar, e algum colega de outros plantões o fizer, o traficante vingativo poderá dar instruções à seus asseclas para que me matem.

A diferença entre ser punido pela direção do presídio e ser morto pelos capangas do bandido é tão grande que é mais “racional” para o carcereiro entregar o celular ao bandido, mesmo que isso signifique uma perda coletiva: êle continuará comandando seu bando e provocando crimes.

A atitude mais racional do ponto de vista individual – a preservação da vida – provoca o pior resultado para o bem estar coletivo. O carcereiro também tem a alternativa de entrar em acordo com seus companheiros para que ninguém ceda às pressões do bandido. Mas ninguém garante que diante das ameaças, o “elo mais fraco” entre os carcereiros ceda e a “frente única” se rompa, chegando o celular nas mãos do prisioneiro. Na melhor das hipóteses reinará entre os carcereiros um clima de forte desconfiança.

Em relação à reforma da Previdencia o governo parece ter feito um acordo inicial “entre carcereiros”. Mas as pressões vindas de várias áreas sensibilizaram alguns parlamentares da base governista que em conjunto com poderosos ministros aparentemente cederam causando grande inquietude nos demais.

Não podemos esquecer que as tentações são feitas para a gente cair nelas; senão não tem graça… No início de julho a linha Maginot de defesa da proposta original de reforma da Previdencia foi vazada. Mas uma operação de retorno à proposta original foi rapidamente montada com a volta do Presidente Lula ao Brasil, depois de longa estadia na Europa. É possível que o acordo entre carcereiros seja reconstruído. Mas um estrago foi feito na imagem do novo governo mostrando que não existe a desejável coesão de sua base de sustentação numa questão tão importante. A desconfiança será a tônica dos próximos lances.

Artigo publicado na Revista RAE da EAESP-FGVSP www.rae.com.br