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ago 01 2010

Ponzi e Felipe

Em 1949 morreu no Rio de Janeiro – num asilo – um certo Carlo Ponzi, cujo sobrenome virou conceito em economia: o efeito Ponzi. Estelionatário de grande porte aplicou vários golpes nos Estados Unidos e no Canadá nos anos 1920. Ponzi prometia pagar juros alucinantes no curto prazo para quem lhe emprestasse dinheiro que empregava em suas operações de arbitragem internacional com selos postais. O negócio era rentável, mas não o suficiente para pagar os enormes retornos prometidos. O serviço da dívida era coberto, então, com mais empréstimos de novos incautos até o estouro inexorável da bolha financeira.

Preso por 13 anos foi deportado para a Itália, vindo depois a dar com os costados no Brasil. Ao que se saiba, não aplicou nenhum golpe por aqui, mas deixou dois herdeiros: um tenente da Força Aérea, de nome Felipe – que esfolou muita gente com ardil semelhante. Comprava carros a prazo e vendia à vista por preços sedutores. Acabou mal como seu possível inspirador, mas tornou célebre o nome “felipeta”, sinônimo de papel tão micado como as promissórias que assinava.

O outro herdeiro de Ponzi é o grupo de gestores de nossa dívida interna a partir do Plano Real. O governo, “pede emprestado a João para pagar José”, ou num país onde todos deveriam fazer três refeições por dia, “vende o almoço para comprar o jantar”, e, atenção!, oferecendo juros para banqueiro nenhum colocar defeito. Surge então outro efeito, ainda não oficializado, o Tostines: ninguém sabe se a dívida interna é grande porque o déficit (causado pelos juros) é fresquinho ou se o déficit é descomunal porque os títulos da dívida vendem muito.

Para pagar os juros o governo pratica um mega-superávit primário: espreme as contas públicas em mais de 4% do PIB. Mas só consegue pagar a metade. A diferença é coberta com o aumento da dívida, como recomendaria a dupla Felipe-Ponzi. Por mês se vão cerca de 12 bilhões de reais. Grande parte do esforço de arrecadação sai pelo ralo dos juros, e os investimentos ficam a ver navios. Eis aí uma das principais razões para acelerar a queda da taxa de juros no Brasil. Está ao alcance das autoridades monetárias.

A situação internacional nunca foi tão favorável, e a taxa de cambio valorizada contribui para segurar a inflação. Manter a taxa de juros real superior a 10% ao ano é dar um tiro, não no pé, mas na virilha. Ou, se quiserem uma imagem menos sangrenta, é condenar nossa economia a um eterno vôo rastejante: ela decola, mas vai arrancando a copa das árvores que estão no entorno.

Artigo publicado na Revista RAE da EAESP-FGVSP www.rae.com.br