Zero grau quer dizer congelamento. E é disto que se trata: congelar a tarifa. Deveríamos sugerir à Prefeitura a manutenção desta tarifa – no caso dos ônibus em São Paulo R$3,00 – até pelo menos janeiro de 2015.
Sem perder de vista o objetivo estratégico da tarifa zero, agora é hora de encontrar uma solução para evitar que a expansão dos custos nos transportes nos próximos dezoito meses devore recursos destinados a outros setores essenciais como a saúde ou a educação.
A redução da receita decorrente da volta da tarifa para R$ 3,00 (caso de SP) pode ser assimilada sem grandes problemas, pois este montante é inferior a 1% do orçamento municipal. Remanejar esta quantia sem comprometer investimentos não é um bicho de sete cabeças. Mas, o mesmo não pode ser dito do que ocorrerá nos próximos dezoito meses. Nada indica que a inflação voltará ao centro da meta. No primeiro semestre ela já furou o teto (6,50%) várias vezes. A desvalorização cambial, somada à defasagem no preço do diesel, e a instabilidade da oferta de alimentos poderão resultar em fortes demandas salariais e de custeio do sistema (reajuste dos combustíveis) e sabemos que estes custos representam quase 70% da tarifa (49% salários e 19% combustíveis). Até quando será possível manter o preço do diesel e desonerar de tributos e contribuições todos os elementos que entram na cadeia produtiva dos transportes? Sabemos também que qualquer tentativa de segurar os salários resultará em paralisações mais ou menos prolongadas em todo o sistema. Pior do que transporte ruim e a ausência de transporte ruim.
Atacar a remuneração dos empresários é um caminho a meu ver pouco promissor. Segundo a Prefeitura – e na falta de outros dados acreditemos nestes – a participação da remuneração do capital (lucro das empresas) tem um impacto na tarifa de 6,27%.
Se isto for reduzido – e sempre considerando que estes dados estejam corretos – o que acontece geralmente é a piora de um serviço que já é muito ruim: ônibus quebrando com maior frequência, paralisações por atraso no pagamento de salários ou do vale refeição etc. As gratuidades também crescerão, pois a população de idosos vem aumentando absoluta e relativamente, e a busca por educação faz expandir também a massa de jovens que estuda e trabalha.
A linha de menor resistência para Prefeitos e Governadores é pedir socorro ao Governo Federal. Renegociação de suas dívidas, aporte de recursos, aumento de limites de endividamento, tudo em nome de manter seus programas e projetos sem reajustar a tarifa. Deverão pressionar a Presidente Dilma e, um eventual êxito, poderá “equacionar” momentaneamente o problema. Mas não nos esqueçamos que o Governo Federal também enfrenta sérios problemas de desequilíbrio fiscal e não sabemos até onde dá para esticar a corda. A inflação provoca um desgaste avassalador no prestígio de qualquer político e recentes pesquisas já mostraram que isso está acontecendo com a Presidenta Dilma.
Se as demandas de Prefeitos e Governadores não forem atendidas restará a estes dois caminhos: reduzir programas, projetos, despesas (com resultados duvidosos no que se refere ao corte de gastos) e investimentos, abandonando em parte promessas de campanha, ou aumentar impostos.
Prefeitos e Governadores estão acuados, na defensiva, e ainda que não estivessem dificilmente ousariam propor um passo eleitoralmente suicida como esse.
Uma Proposta
Creio que devemos explorar uma nova abordagem diante da situação excepcional que vivemos. Gostaria de lembrar que parte dos usuários de ônibus e metro já vivem sob o regime de tarifa zero. Ou melhor, a tarifa tornou-se tão elevada e os locais de moradia de algumas categorias de trabalhadores tão distantes que a única forma de viabilizar um vínculo de emprego é que os patrões paguem o transporte de seus empregados por fora do salário. É o caso típico das empregadas e empregados domésticos. À raiz de meu artigo inicial (Tarifa Zero) recebi, no blog e no facebook, várias mensagens de pessoas de São Paulo e do Rio de Janeiro (aparentemente de classe média e classe média alta) que ficaram surpresas quando constataram que pagavam pelo transporte de suas empregadas o mesmo valor do IPTU. Se a tarifa zero existisse, o IPTU poderia aumentar 100% que as despesas dessas famílias permaneceriam as mesmas! Este “brutal” aumento não faria, a rigor, diferença alguma. Claro que nem todos se enquadram neste perfil. Mas o mesmo raciocínio poderia ser aplicado a um aumento de tarifa. Se os custos do transporte por ônibus aumentassem digamos 10% nos próximos dezoito meses, para muitas famílias seria indiferente ter que pagar mais 10% – se a tarifa aumentasse na mesma proporção – a seus empregados e/ou dependentes ou pagar mais 10% de IPTU, desde que tais custos não fossem repassados à tarifa mas tivessem que ser pagos aos prestadores do serviço. Como existem casos e casos, situações e situações, creio que nós cidadãos de São Paulo deveríamos sugerir uma contribuição voluntária – de até 10% digamos – no IPTU para que a tarifa atual permanecesse congelada até janeiro de 2015. Seria a Tarifa Zero Grau. Até lá haveria tempo para discutir com mais calma alternativas inclusive a de reduzir a tarifa até o final de 2016 na direção do “zero absoluto”.
Esta proposta seria de iniciativa de cidadãos, e portanto, caso não obtivesse êxito ou adesões significativas não representaria um desgaste político para o Prefeito de São Paulo. Caso obtivesse, o subsídio não aumentaria e os investimentos (que exigem um prazo de maturação maior) não seriam comprometidos e no médio prazo poderiam resultar em redução de custos e melhorias no sistema. De fato, se a promessa de construir mais 150 km de corredores for concretizada não há dúvida que a opção pelo transporte público poderá além de acelerar a velocidade de circulação dos ônibus poderá tirar carros da rua e melhorar o trânsito.
Uma palavra final sobre o “voluntário”. Anos atrás, o então Prefeito de Bogotá, Antanaz Mockus, em ambiente conturbado pela guerrilha, sequestros, delinquência, insatisfação popular, indisciplina social, fez uma proposta semelhante. Não era exclusivamente para financiar a tarifa; quem contribuía indicava onde queria que o dinheiro fosse aplicado. A receita do imposto predial local acusou um aumento de cerca de 10%.
Alguns, inclusive pessoas próximas que me ouviram numa entrevista consideram muito difícil de ser aceita pois todos acham que já pagam muito e o governo não retorna com serviços, nem corta gastos ou elimina desperdícios. Talvez tenham razão. Mas uma tentativa talvez valha a pena. Pode ser que os resultados sejam surpreendentes.
2 comentários
Paulo Sandroni
01/07/2013 às 19:43 (UTC -3) Link para este comentário
Estimado Andre,
Deixa eu corrigir um dado. O custo do combustível na tarifa corresponde a 19% e não a 79%!
É o segundo maior custo. O maior é a mão de obra ( motoristas, cobradores , etc.) que alcança quase 50%.
Não resta dúvida que motoristas ou qualquer outro profissional deve ser estimulado a trabalhar da forma mais eficiente e ser premiado se alcançar determinadas metas pre-estabelecidas. Creio que podemos fazer muito neste sentido.
Mas, no caso concreto e tratando-se de uma atividade tão estressante e penosa, creio que devemos também e principalmente tratar de melhorar a máquina/veiculo com a qual este trabalhador opera. Vejamos o cambio comum. O motorista é obrigado a mudar de marcha milhares de vezes por dia o que leva muitos deles a por exemplo, sair em segunda o que prejudica e a prazo danifica o motor. Se instalarmos o cambio automático esta atividade poderá ser feita de forma muito mais simples e direta sem necessitar a embreagem reduzindo enormemente o esforço do motorista e seu desespero diante de um trânsito emperrado. Muitos onibus na cidade de SP já tem este sistema – especialmente os articulados. Mas trata-se de generalizar este sistema como ocorre em paises desenvolvidos.
Outra coisa necessária é evitar o motor dianteiro e colocá-lo atrás. O motor dianteiro – se o onibus não for novo – esquenta a perna direita no motorista e em alguns casos faz com que ele perca os respectivos pelos com as consequencias psicológicas que voce poderá imaginar.
Se o combustível for gas natural o desempenho aumenta em termos de custo benefício, pois o gás – por km equivalente – é mais barato e por queimar quase totalmente emite muito menos particulas do que o diesel. As primeiras linhas (no Brasil) foram instaladas por nós em SP ( 1991) durante o gov. Luiza Erundina. As administrações posteriores não deram o prosseguimento devido a este projeto e creio que hoje o numero de onibus a gás natural é muito pequeno. O gás natural também reduz a poluição sonora ( interna que beneficie quem esta ali dirigindo durante horas e externa) e o veiculo roda com maior facilidade sem solavancos.
Como se ve muita coisa pode ser feita e/ou evitada para melhorar quem executa uma das tarefas mais estressantes dos serviços publicos.
abs.
Paulo Sandroni
28/06/2013 às 11:34 (UTC -3) Link para este comentário
Sonia,
Obrigado pela divulgação do texto. Isto ajuda a esclarecer que a Tarifa Zero Grau ( ou tarifa congelada) NÃO substitui
o objetivo estratégico da Tarifa Zero. Alcançar este objetivo estratégico exige muita discussão, busca de consensos, exames de ‘numeros relacionados com a necessidade de financiamento, embates políticos espinhosos para saber quem vai pagar a maior parte da conta. E isto demanda Tempo. Não é de uma hora para outra. Quando no gov. Erundina esta proposta foi lançada e um projeto de lei enviado à Camara de Vereadores no segundo semestre de 1991 tinhamos pouco tempo para discutir e aprovar a proposta ( menos de seis meses) para que valesse em 1992. Era necessário fazer um reforma tributária e adotar o IPTU progressivo na alíquota – que não tinhamos no momento, que só veio a ser aprovado com a emenda Constit. em 2002 – para aumentar a receita tributária que viria em grande proporção dos mais ricos ( de imenso patrimonio imobiliário). A truculenta campanha desfechada contra este aumento pode ser avaliada pelos outdoors que os opositores colocaram na rua “Votou no PT, Tomou no IPTU”. Sem maioria na Camara de vereadores a proposta não foi aprovada e a TZ não pode ser aplicada.
Hoje as condições são diferentes: uma favoráveis e outras não. Uma das favoráveis – do ponto de vista institucional legal – é que o IPTU progressivo existe e esta sendo utilizado em SP, bastaria intensificá-lo. Do ponto de vista político a condição favorável é que há mobilização popular a favor da medida, isto é, apoio político ativo, embora o Prefeito e os partidos de sua base de sustentação ( que formam folgada maioria na Camara de Ver.) – até agora – não tenham disposição de transformar a proposta em objetivo prioritário a ser alcançado como ocorreu em 1991. Entre as desfavoráveis é que os custos do transporte público aumentaram e sua produtividade caiu nos ultimos anos. O programa de instalação de corredores tem sido raquítico, embora a prefeitura de SP proponha um ambicioso plano de construção de 150 km. Em 1991 o máximo de congestionamentos alcançava cerca de 60 km., hoje pode chegar a 180km. O subsídio é bem menor do que era em 1991. Portanto, a diferença a ser financiada é também maior. Para discutir e alcançar consensos sobre estas e outras questões e para criar as condições de um debate político em profundidade é necessário mais do que seis meses. A vantagem hoje é que estamos no início dos mandatos dos Prefeitos. Dezoito meses é um tempo apropriado a meu ver para discutir a proposta de TZ e sendo aprovada e aplicada permitiria aos atuais mandatários municipais um prestigio político inigualável.
abs.