O matemático Benoit Mandelbrot, criador dos fractais, apresentou recentemente uma interessante crítica aos métodos de previsão adotados nos mercados financeiros em seu livro “Mercados Financeiros Fora de Controle”. Ele começa estabelecendo alguns pontos de referência em relação aos quais desenvolverá sua crítica.
O primeiro deles é a análise da abordagem denominada “fundamentalista”, isto é da abordagem que parte do estado de saúde dos fundamentos das empresas, organizações etc. que emitem os diversos títulos que são transacionados nas Bolsas de Valores, especialmente as ações, ou do entorno ( setor, mercado, região ) no qual estes organismos desenvolvem suas atividades.
Os estudos destes fundamentos seriam um orientador seguro de qual será o movimento das cotações destes títulos no futuro.A idéia é que o preço de uma ação, debênture, derivativo, moeda, varia por causa de algum fator existente fora do interior da própria Bolsa de Valores.
O pressuposto fundamental é que conhecidas as causas (de preferência, todas) serão conhecidos os efeitos e portanto haverá uma forma relativamente segura de enfrentar o risco.
O principal problema é que nem sempre as causas são conhecidas em sua totalidade e mesmo quando são não é possível dizer com certeza se o seu efeito proporcional ou mesmo se será no sentido x ou no sentido y. Em outras palavras Embora possa existir proporcionalidade entre causa e efeito não se pode dizer de antemão em todos os casos, se a mesma se dá no sentido direto ou no sentido inverso.
A guerra no Iraque (2003) provocaria uma elevação ou uma baixa no dólar , ou no preço do petróleo?
O que torna ainda mais duvidoso o uso dessa abordagem é que mesmo depois do desfecho de algum evento traumático nas Bolsas de Valores torna-se complicado, “ex-post”, deslindar todas as suas causas.
Além disso, o conhecimento das causas de um fenômeno nem sempre é generalizada: há assimetria nas informações, ou melhor, uns tem mais conhecimento do que outros sobre as causas que influem sobre as cotações.
A outra abordagem, ou ferramenta de gerenciamento de riscos é a chamada análise técnica, que se utiliza de gráficos para estimar as cotações futuras. A análise grafista procura encontrar padrões de comportamento do mercado financeiro elaborando gráficos, e nestes, formas que se repetem ( na mesma escala ou em escala diferente) no decorrer do tempo.
Os adeptos da análise técnica elaboram indicadores cujas denominações têm origem nas formas que aparecem nos gráficos tais como cabeça e ombros, bandeiras e flâmulas, triângulos, pontos de suporte e resistência.
Mas se considerarmos que pelo menos teoricamente todos os que participam no mercado têm o conhecimento relacionado com esse tipo de análise, ou melhor se através do comportamento dos gráficos ( e portanto da trajetória passada) se pode conhecer as cotações futuras ( e portanto a trajetória futura) – pelo menos o futuro imediato – todos os agentes saberiam por exemplo qual o melhor momento para a venda ( ou compra) de uma ação ou derivativo.
Isto inviabilizaria a existência do próprio mercado se partimos do suposto da racionalidade dos agentes e deixamos de lado possíveis erros nas emissões de ordens de compra ou venda, pois em determinado momento só existiriam vendedores, em outro, só compradores.
Em outras palavras seria muito complicado supor a existência de um mercado onde só houvessem compradores, ou vendedores, uma vez que a palavra mercado supõe a existência de ambos simultaneamente, um numa ponta e outro na outra.
Embora ambos os enfoques possam trazer resultados positivos para seus aplicadores em alguns momentos e em alguns mercados em particular mesmo a combinação de ambos (se isso for possível) não garante a construção de um sistema global de gerenciamento do risco.
Estas limitações levaram ao surgimento de um novo enfoque denominado “Moderna Teoria Financeira” que parte do princípio de que os preços dos ativos financeiros não são previsíveis mas suas flutuações podem ser descritas por formulações matemáticas da probabilidade.
O ponto de partida desse tipo de abordagem é que num mercado ideal os preços dos títulos refletem plenamente todas as informações relevantes.
O mercado financeiro seria um jogo (honesto, sem manipulação) em que compradores e vendedores se encontrariam e seria alcançado um patamar de preços de equilíbrio. Nesse sentido os mercados financeiros seriam eficientes.O conceito que engloba esta visão denomina-se Hipótese do Mercado Eficiente
A formulação central desta hipótese é que os preços das ações nas Bolsas de Valores têm um movimento aleatório. A análise do movimento dos preços durante um período longo confirma este movimento, na medida do grau de correlação encontrado nos mesmos.
Os proponentes destas formulações consideram, portanto, que as abordagens da Análise Fundamental e da Análise Técnica são de pouca valia para a previsão dos futuros movimentos dos preços das ações, pois se baseiam em dados do passado, cujas flutuações foram aleatórias.
Esta concepção do comportamento do mercado se baseia nas seguintes premissas:
1 – Existem inúmeros participantes num mercado eficiente;
2 – Todos têm acesso às informações relevantes que afetam os preços das ações;
3 – Estes participantes competem livremente e em igualdade de condições pelas ações no mercado de tal forma que as cotações das mesmas refletem os seus respectivos valores (patrimoniais). Neste contexto, e na medida em que novas informações surgem aleatoriamente, seus reflexos nos preços fazem com que estes também se comportem aleatoriamente.
Em outras palavras, as cotações das ações nas Bolsas de Valores seriam as melhores estimativas de seu valor real, devido ao altamente eficiente sistema do mecanismo de preços (flutuações) inerente a um mercado de ações com as características descritas anteriormente. Considerada também em relação às taxas de cambio, esta hipótese significaria que as taxas de cambio a termo (no futuro) são a melhor aproximação do que serão as taxas spot( à vista) no futuro.
Na mesma medida em que os adeptos da Hipótese do Mercado Eficiente criticam os defensores da Análise Técnica e da Análise Fundamental, estes também desfecham suas críticas aos primeiros.
Quais são os pontos fracos da teoria moderna financeira?
1 – Em primeiro lugar o argumento de que os agentes financeiros são racionais e buscam sempre o enriquecimento é questionável na medida em que os agentes podem interpretar de maneira errônea as informações disponíveis, e suas emoções às vezes interferem com a melhor decisão baseada no cálculo das probabilidades ou na racionalidade mais evidente.
A partir dos anos 70 do século passado desenvolveu-se em economia um novo campo denominado economia comportamental que estuda como os elementos psicológicos podem afetar a tomada de decisões e por tanto alterar um resultado esperado pela Hipótese do Mercado Eficiente.
2 – O segundo ponto sustentando que todos os agentes do mercado financeiro são iguais no sentido de terem os mesmos objetivos de investimento, e os mesmo horizontes de tempo não parece se ajustar adequadamente á realidade. Em primeiro lugar os horizontes de tempo dos investidores apresentam grande diversidade: alguns investidores têm uma visão de curto prazo enquanto outros têm de médio ou longo.
Os montantes de recursos de cada agente são diferentes e embora não influam na formação dos preços tomados individualmente, ponderados pela propensão ao risco de cada um podem resultar em diferenças com o comportamento esperado pela Hipótese do Mercado Eficiente. Em outras palavras os agentes não são homogêneos e essa característica pode levar um mercado para um resultado bem diferente do preconizado pela HME .
3 – O terceiro ponto refere-se à forma do movimento dos preços.
De acordo com a HME os preços se moveriam para cima ou para baixo de forma suave e contínua. Este movimento se assemelharia a alguns fenômenos do mundo físico como por exemplo, a variação da temperatura durante o dia que subiria lentamente depois do nascer do sol alcançando um máximo no entorno do meio-dia e depois baixaria ao se aproximar o crepúsculo seguindo uma trajetória definida pela expressão latina, natura non facit saltum.
Na verdade, o movimento dos preços teria uma trajetória diferente. Por um lado nem sempre prevaleceria a continuidade: saltos, pequenos ou grandes podem ocorrer com uma freqüência consideravelmente grande. Por exemplo, observações empíricas mostram que 80% das cotações terminam em 0 ou 5, quando deveriam ocorrer – se houvesse proporcionalidade – apenas em 20% dos casos.
Existiria uma preferência por números “redondos” e não “quebrados”. Por outro, um pregão tem uma duração de várias horas durantes as quais podem chegar notícias favoráveis ou desfavoráveis a certas ações dando lugar a um descasamento entre ordens de compra (ou venda) e as disponibilidades existentes ocasionando fortes oscilações nos preços que seriam a expressão de um novo “equilíbrio”.
Nesse caso a HME também não seria uma ferramenta útil para a previsão dos movimentos e trajetórias dos preços nos mercados financeiros.
4 – O quarto ponto está relacionado com o caráter aleatório das cotações nos mercados financeiros. Para a HME as oscilações
de preços nos mercados financeiros seguiriam um movimento browniano.
Este último termo é tomado da física que significa movimento aleatório das moléculas da água no entrechoque com partículas de pólen, forma que também governaria as variações de preços. Esta afirmação se sustenta em três pressupostos:
A – Os preços variam de forma independente dos níveis anteriores. Uma pequena alta ou uma catastrófica baixa ocorrem de
forma totalmente independente das cotações anteriores. O mercado nesse sentido não teria “memória”. Isso significa que os preços da semana passada ou do mês anterior não podem servir de base para a estimação dos preços de amanhã. O estudo dos gráficos históricos ( a análise técnica) seria por tanto totalmente inútil.
B – O segundo pressuposto é que existiria estacionalidade nas mudanças de preços. Ou seja qualquer que seja o processo de
geração das mudanças de preços, ele tenderá a manter-se inalterado ao longo do tempo. Por exemplo, se os preços se definem num processo de cara ou coroa a moeda não seria substituída no meio do jogo; o que pode ocorrer são mudanças na quantidade de caras ou coroas que saem na unidade de tempo.
C – O terceiro pressuposto é que os preços variam de acordo com as proporções de uma curva normal, isto é, a maior parte do
eventos significam uma variação pequena, e uma pequena quantidade de eventos significam variações muito grandes sendo suas freqüências previsíveis.
Embora criticando a validade de todas essas abordagens Mandelbrot em seu livro “Mercados Financeiros Fora de Controle” parece afirmar que o movimento das cotações das ações e outros títulos nos mercados financeiros poderiam se aproximar das formas fractais. Isto é os movimentos dos preços no longo prazo tenderiam a se repetir só que em diferentes escalas.
As formas observadas nos gráficos das cotações com seus períodos de alta e de baixa se reproduziriam no futuro só que numa escala diferente. Mandelbrot apresenta em seu livro grande quantidade de elementos empíricos para reforçar sua abordagem, sinalizando, no entanto, que a questão está em aberto, e sua própria análise ainda não teve suficiente desenvolvimento para trazer resultados mais solventes. Veja também Fractais; Hipótese do Mercado Eficiente; Mandelbrot, Benoit; Spot; Teoria do Caos.
Dicionário de Economia do Século XXI.