A terra urbana supõe construções. Simples constatação implica a existência de dois direitos consagrados “latu sensu” em nossa legislação: o direito de propriedade e o direito de construir.
O direito de propriedade, contudo não engloba (exaure) o direito de construir. Este, embora vinculado ao primeiro, contém outras dimensões decorrentes da existência de articulações entre o construído e seu entorno que extrapolam, econômica e juridicamente os limites de um terreno urbano.
Embora se denominem imóveis, construções não se assemelham a estatuas, são na realidade organismos viventes pois destinam-se a abrigar seres humanos cuja produção e reprodução da vida social e econômica demandam (e prestam/necessitam) serviços da mais variada índole.
Tais serviços, em sua maioria produzidos extramuros, isto é, fora dos limites de um terreno; conformam teia de articulações regidas por normas específicas, mas que retiram qualquer construção de seu isolamento arquitetônico.
No interior das construções a vida humana se produz e se reproduz na circularidade histórica, e por tanto, aditivamente requer investimentos no que se denomina genericamente de infraestrutura; água, esgotos (*), iluminação, transportes, coleta de resíduos e outros mais. As construções não devem ser prensadas apenas como obras terminadas, mas no ‘contínuo’ de seu funcionamento.
(*) – A maior obra de infraestrutura urbana do século XIX (meados) foi a construção da rede de esgotos de Londres, então a maior cidade do mundo ocidental.
É fácil perceber que a necessidade de infraestrutura varia na razão direta do volume construído. Esta é uma das razões econômicas que recomenda a separação do direito de propriedade do direito de construir.
É fácil também avaliar que quanto maior for a quantidade construída em determinado terreno menor será a participação deste no valor total construído. Se o m2 de determinado terreno vale $10.000, mas é possível construir nele 10m2 (ou 10 andares) o valor do terreno em cada andar (ou m2) será apenas $1.000; se neste terreno for autorizado construir 20 m2 (ou 20 andares) a participação do valor do terreno em cada andar será reduzida para $500. Tal redução de custos de produção resulta em maiores lucros para o empresário imobiliário e em consequência maior demanda por terrenos que disponham de maior potencial construtivo promovendo tendência à elevação dos respectivos preços de mercado.
Dentro de certos limites, empresários imobiliários têm capacidade de pagar mais por tais terrenos e ao mesmo tempo auferir maiores lucros com a venda das construções. No caso de receberem aumentos do potencial construtivo em terrenos dos quais já são proprietários esta redução de custos poderá se transformar totalmente em maiores lucros em seus empreendimentos construtivos.
Esta é a principal razão pela qual empresários imobiliários mesmo tendo que pagar adicionalmente reivindicam maior potencial construtivo, pois desde que tal pagamento seja inferior ao preço de compra de terrenos com idênticos potenciais construtivos reduzem seus custos por cada m2 construído (*).
(*) No caso de São Paulo esta diferença é a existente entre um CA Básico e um Máximo e a fórmula de cálculo do valor do m2 de potencial adicional (a diferença entre os dois CAs) resulta bem inferior ao valor cadastral (para pagamento do IPTU) e, portanto, do valor de mercado destes terrenos.
O resultado de um maior potencial construtivo em determinados terrenos é geralmente a verticalização. Esta por sua vez significa maior densidade construtiva e em se tratando de construções residenciais, tendência à maior densidade populacional.
Esta tendência à verticalização resulta também em menor aumento dos custos dos serviços públicos relacionados com as distancias: tais custos tendem a aumentar na medida em que a cidade se expande horizontalmente. Na expansão vertical os custos destes serviços tornam-se em grande parte privados, isto é, os residentes/ocupantes destas unidades construtivas verticalizadas pagam por eles: um edifício de 100m de altura (vertical) que evite a expansão da cidade em 100m na horizontal torna os custos do transporte público menores (os meios de transporte públicos reduzem seu percurso em 100 m) e os custos na vertical (elevadores/energia) são cobertos por moradores /usuários do setor privado (famílias residentes p.ex. pagando condomínios).
O Maior e Melhor Uso
O valor/preço de um terreno é determinado pelo que se possa construir nele, isto é, seu maior e melhor uso. Este conceito pode ser considerado do ângulo quantitativo e qualitativo: o primeiro significa a quantidade de m2 que se possa construir, e o segundo os tipos de materiais utilizados em sua construção (*).
(*) – Dois apartamentos com a mesma área construída, em uma mesma localização terão preços/valores diferentes se em um deles o banheiro contar com banheira feita de mármore em peça única e outro não contar com tal equipamento.
Para explicar a evolução de preços/valores de imóveis em situações concretas a proposta é que derivado do maior e melhor uso se elabore nova denominação: o valor/preço de um terreno passa a ser determinado (**) pela quantidade de capital que nele possa ser investido.
(**) – Suposta a existência de demanda para qualquer valor/preço dos espaços construídos.
Em relação ao capital propomos uma divisão entre capital fixo (aquele empregado na aquisição de um terreno e na construção propriamente dita) e o capital circulante (aquele resultante da atividade econômica que ali se realiza o que se aplica especialmente a imóveis de uso não residencial).
Este último aspecto do capital, o circulante, se apresenta em locais não residenciais, especialmente naqueles de comercio varejista de grande intensidade nos quais os ciclos do capital além de curtos são de maior frequência (***).
(***) – É o caso por exemplo da rua 25 de Março em São Paulo local de comercio popular de grande intensidade na qual o preço dos aluguéis do m2 das antigas construções existentes equivale ou são até maiores do que os pagos nos locais mais caros da cidade. Embora sejam construções antigas e de baixa densidade seus preços de venda (m2) são também próximos dos mais elevados praticados na cidade.
Maior Densidade e a Valorização dos Terrenos
Terreno que recebe maior capacidade construtiva geralmente acusa um aumento de seu preço de mercado uma vez que a demanda por parte de agentes imobiliários aumenta. A razão, como já explicamos é simples: mesmo que a aquisição de área construtiva virtual maior seja onerosa, se este pagamento for inferior ao que se teria que desembolsar para a aquisição de um terreno real com a mesma capacidade construtiva, a ação será vantajosa (*).
(*) – No caso de São Paulo o estímulo concedido aos empresários imobiliários para que construam em áreas próximas a grande oferta de transporte público significa um pagamento geralmente inferior a 50% do preço de um terreno com os mesmos direitos construtivos.
Isto significa uma importante vantagem para o proprietário uma vez que o preço de mercado de seu imóvel tende a aumentar pelo crescimento da demanda por parte de construtoras e incorporadoras. O proprietário, no entanto, obtém uma vantagem econômica patrimonial sem que nada tenha feito para tanto. A pergunta que se coloca é: esta valorização deve ser apropriada pelo proprietário do terreno ou ele deve pagar uma compensação para obter direitos adicionais de construção plasmados em um CA maior!
Não resta dúvida que este aumento de potencial construtivo deve dar lugar a uma compensação econômica (*) uma vez que o
(*) Aqui tratamos apenas da questão econômica pois existe também uma questão jurídica: por razões de isonomia não se pode conceder vantagens a uns e não a outros.
mesmo proporciona uma redução de custos de construção e, portanto, de aumento de lucros das construtoras e incorporadoras.
Qual seria o montante dessa compensação. Devemos considerar que direitos adicionais de construção tem valor de uso menor do que terrenos com idêntico potencial construtivo. Em determinado terreno é possível construir sem que se disponha de direitos adicionais de construção; estes últimos só podem se realizar em terrenos reais. Tendo um valor de uso menor a expressão deste valor, isto é, seu preço deverá ser também menor do que o correspondente terreno real no qual este direito adicional é exercido.
Não podemos perder de vista que este aumento de CA é incorporado para estimular a densificação em determinadas áreas e tal objetivo deve ser compatível com a compensação exigida do proprietário/incorporador que a recebe.
Em síntese, a verticalização dentro de limites existentes (e que existirão) correspondentes à infraestrutura torna-se um objetivo que contribui para melhor equilíbrio econômico da reprodução da vida social nas cidades: contribui, neutralizando, aumentos dos custos dos serviços públicos. No entanto, a concessão de maiores potenciais construtivos deve ser feita equilibrando incentivos ao adensamento/verticalização e as contrapartidas originadas pela valorização dos terrenos e pagas por seus proprietários.