O objetivo estratégico Tarifa Zero (capítulo ônibus) requer um tempo para que a matéria seja discutida, consensos formados, forças sociais e políticas reunidas e leis específicas aprovadas/revogadas não só no município, mas também no Estado e na União. A duração desse período depende de cada situação, mas creio que 18 meses seria um período apropriado para o caso da cidade de São Paulo. Tomarei este período como referencia.
A Tarifa Zero ou a gratuidade ao usuário no transporte por ônibus na capital do Estado deve ser condicionada a dois elementos básicos: a) garantia da sustentabilidade do sistema no longo prazo, e b) o transporte público por ônibus deve ter melhor qualidade do que a atualmente existente. Se o novo sistema provocar uma queda na qualidade do serviço (que hoje é ruim) é possível que os próprios usuários aceitem e/ou demandem a volta da tarifa para que a qualidade do transporte melhore. Embora a gratuidade exista em mais de 50 cidades no mundo (3 pelo menos no Brasil) algumas como Austin (Texas) e outras dos Estados Unidos como Trenton e Denver depois de terem adotado a Tarifa Zero voltaram ao sistema anterior, isto é, ao transporte pago. Trata-se de evitar que isso aconteça se o sistema for adotado em São Paulo.
O que fazer enquanto o projeto não sai?
O que acontece enquanto se discute, planeja, prepara e adota o novo sistema? É importante lembrar que se um governo resolver adotar a Tarifa Zero ficará em situação muito delicada se quiser reajustar a tarifa enquanto tais preparativos são realizados. No caso concreto do Brasil, mesmo que Prefeitos e/ou Governadores não defendam a medida, pelo menos até janeiro de 2015 será politicamente desgastante reajustar as tarifas tendo a Copa do Mundo e as eleições gerais de 2014 pela proa.
Mas, os custos do sistema aumentarão (salários, combustíveis gratuidades de idosos, passe de estudantes etc.), e o problema consiste em como cobrir este aumento sem comprometer verbas destinadas a outros setores importantes, e especialmente sem comprometer os investimentos?
Sei que é possível espremer aqui e acolá, remanejar verbas, reduzir desperdícios etc., mas não é com a venda de helicópteros (por mais que esse meio de transporte para alguns governadores seja – parodiando Millor – uma vergonhosa desnecessidade que teria se tornado irreversível) que resolveremos o problema. Em outro texto (Tarifa Zero Grau) fiz uma proposta de aumento da arrecadação para estes 18 meses de preparação utilizando o que se poderia chamar de “voluntário” ou contribuições voluntarias pagas no carnê do IPTU.
Em síntese, quem quisesse pagaria um pouco mais de IPTU e o que fosse arrecadado adicionalmente seria destinado exclusivamente para evitar o reajuste tarifário. Estes recursos adicionais poderiam contribuir para a cobertura do aumento de custos durante estes 18 meses. Mas, na hipótese de que isso não funcione – se fizermos uma boa campanha e a própria Prefeitura colaborar e não colocar obstáculos, creio que poderemos nos surpreender com o resultado positivo – o aumento dos custos durante este período ficaria sem cobertura. A Prefeitura teria que desviar recursos ou do custeio e/ou do investimento de outros setores essenciais o que seria lesivo ao interesse público.
Faço agora uma nova proposta para financiar este aumento de custos durante o período de transição de um sistema tarifado para a Tarifa Zero.
O Financiamento através de Cepacs.
Os Certificados de Potencial Adicional de Construção são títulos vendidos a empreendedores imobiliários interessados em aumentar seu potencial construtivo no interior do perímetro das operações urbanas consorciadas. A compra de Cepacs em leilões realizados em Bolsa de Valores permite que tais interessados em construir utilizem – a partir de um coeficiente básico em geral 1 ou 2 – utilizem um adicional até o coeficiente de aproveitamento máximo de 4 ( área de construção 4 vezes a área do terreno). Com os recursos arrecadados a Prefeitura realiza obras de infraestrutura – de um menu pré-estabelecido – e urbaniza favelas desde que estejam dentro do perímetro da operação urbana que deu origem aos Cepacs. Isto significa que o dinheiro é carimbado e destinado a custear estas obras e não cai na vala comum da arrecadação tributária.
Ocorre que no caso da OU Consorciada Faria Lima (uma das 5 operando em São Paulo) a arrecadação superou significativamente o necessário para custear as obras de infraestrutura e a urbanização de favelas pré-estabelecidas no menu. Falta, é verdade, urbanizar a favela Coliseu-Funchal que há mais de 15 anos espera que Prefeitos e/ou Prefeitas se dignem resolver o problema, pois além do terreno em que se encontra ser uma ZEIS (Zona Especial de Interesse Social) o dinheiro dos Cepacs para financiar a urbanização já há muito tempo esta em caixa aguardando. Aguardando não é bem o caso. Está rendendo juros que não são pequenos. Os recursos gerados pelos Cepacs, enquanto não são utilizados podem ser aplicados no mercado financeiro e só de juros, segundo relatório de maio 2013 da Prefeitura, na OU Faria Lima dos quase 560 milhões em caixa à espera de utilização, cerca de 290 milhões eram receitas financeiras. A pequena favela Coliseu – Funchal poderia ser urbanizada com 40 milhões de reais. O restante está à espera de utilização. Em outras três OU Consorciadas (Água Branca, Centro e Água Espraiada) há uma considerável soma de dinheiro originado nas contrapartidas pagas pelos empreendedores imobiliários à espera de utilização, e enquanto isso rendem juros substantivos como pode ser avaliado pelo quadro abaixo:
Op. Urbana $ Total Arrec. $ em Caixa Receita Finan.
Faria Lima 1.947,8 550,2 289,6
Água Branca 370,8 341,6 56,9
Água Espraiada 3.329,9 2.299,3 383,6
Centro 42,5 34,2 13,4
Total 5.691,0 3.225,3 743,5
Fonte: Portal da Prefeitura do Município de São Paulo.
Podemos observar que cerca de 743 milhões de reais correspondem a receitas decorrentes da aplicação destes recursos no mercado financeiro enquanto não são destinados a obras do menu de cada OU. Os dados anteriores mostram também que dos quase 5,7 bilhões de reais arrecadados somente R$ 2,4 bilhões haviam sido aplicados em obras de infraestrutura ( a ponte estaiada do Pinheiros consumiu cerca de R$180 milhões) e urbanização de favelas. A diferença de R$ 3,2 bilhões está à espera de utilização e enquanto isso rende juros.
Um Obstáculo Legal
É certo que pela lei das OUs não é possível utilizar o dinheiro arrecadado em cada OU fora do seu perímetro. Mas aqui temos duas situações interessantes: na OU Faria Lima existem R$ 550 milhões em caixa, soma que supera as necessidades de financiamento de obras ainda remanescentes do menu. O segundo ponto a ser destacado é que a receita financeira não se origina diretamente na venda de Cepacs e, portanto, poderíamos argumentar que estes recursos não estariam vinculados diretamente a obras do referido menu. Em outras palavras, estes recursos originados na aplicação financeira poderiam ter uma destinação diferente, especialmente aqueles correspondentes à OU Faria Lima, pois nesse caso as sobras não poderão ficar ociosas indefinidamente.
Aparentemente durante a gestão anterior, de Gilberto Kassab, houve um entendimento com o governo do Estado para destinar recursos sobrantes da venda de Cepacs em obras do Metro que seriam realizadas dentro do perímetro daquela OU. De fato na OU Faria Lima já foram utilizados, segundo dados da prefeitura 120 milhões de reais. Além disso, na OU Água Espraiada, lindeira da Faria Lima, onde foram arrecadados pela venda de Cepacs mais de 3,3 bilhões de reais (dos quais 2,3 permanecem em caixa a espera de utilização), já foram aplicados cerca de 162 milhões e mais uns 60 milhões estão comprometidos em obras do Metro. As duas OU já aportaram cerca de 280 milhões de reais para estas obras que estão na alçada de uma empresa do governo do Estado. Claro que são obras importantes e necessárias, mas o Governo do Estado não subsidia a operação do sistema do Metro (seus custos operacionais são cobertos pela tarifa) como faz a Prefeitura com o transporte por ônibus. Seria importante avaliar quais as contrapartidas oferecidas pelo Estado ao município por um aporte de recursos tão significativo.
O Financiamento através da Outorga Onerosa do Direito de Construir ( OODC).
Outra fonte de financiamento é a outorga onerosa do direito de construir (OOCD). Ela constitui o pagamento de uma contrapartida econômica por aquele que recebe do poder publico um direito de construir (solo criado) que antes não possuía. A outorga onerosa prevista pelos artigos 28, 29, 30 e 31 da Lei Federal 10.257 de 2001 (Estatuto da Cidade) e definida nos artigos de 209 ao 216 do Plano Diretor Estratégico de 2002 do Município de São Paulo. Vem produzindo recursos crescentes sendo a média dos últimos 5 anos cerca de R$ 230 milhões de reais anuais. Estes recursos são encaminhados ao Fundo de Desenvolvimento Urbano (FUNDURB) criado com a finalidade de implementar planos e projetos urbanísticos e ambientais integrantes ou decorrentes do PDE ( Plano Diretor Estratégico 2002) e direcionadas de acordo com as prioridades estabelecidas pelo seu Conselho Gestor. Estes recursos tem sido utilizados na construção de parques lineares, melhorias de calçadas e ruas , obras de drenagem e saneamento , implantação de equipamentos urbanos comunitários , regularização de loteamentos recuperação do patrimônio histórico cultural, habitações de interesse social e outros usos. No entanto, uma das destinações dos recursos deve ser pela legislação que o criou, o Transporte Coletivo Público Urbano o que significa que estes recursos poderiam ser utilizados não apenas nos investimentos urbanos antes mencionados mas também para financiar o custo de operação do sistema de transporte por ônibus.
A PEC 90 de iniciativa de Luiza Erundina
A PEC 90 (Proposta de Emenda Constitucional) tornando o transporte um direito social, (equiparado à saúde e à educação) foi aprovada recentemente na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara de Deputados. Com certeza será aprovada pelo Plenário e viabilizará a constituição no município de São Paulo de um fundo para onde poderiam ser destinados parte dos recursos originados nas operações urbanas (receitas financeiras), e nas contrapartidas econômicas da outorga onerosa entre outras fontes. Somados ao que poderia ser arrecadado com as contribuições voluntárias no IPTU poderíamos obter os recursos necessários para financiar o aumento de custos durante os próximos 18 meses. Creio que R$ 400/450 milhões poderiam equacionar o problema. É necessário deixar claro que estes aportes seriam feitos apenas durante este período e para manter a tarifa congelada nos R$ 3,00. Não se repetiriam necessariamente depois de janeiro de 2015. Mesmo porque não se trata de um fluxo permanente de recursos que possa garantir a continuidade do financiamento no longo prazo. A intenção é permitir um tempo suficiente – sem reajuste tarifário – para discutir de onde viriam os recursos estruturais, isto é, sustentáveis no longo prazo, para financiar a adoção da Tarifa Zero no município de São Paulo. Esta questão será tratada oportunamente.