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mar 01 2007

Estratégias Pétreas ou Mutantes?

Há muitas luas, logo depois do Big Bang creio, caçávamos micos nas florestas da Tijuca – que programa! – com o seguinte ardil: uma garrafa de refrigerante na ponta de uma vara de bambu com um pouco de arroz e banana. O fino bracinho do mico entrava, mas, ao agarrar o alimento, entalava na saída. Bastava largar a comida, para evitar a iminente captura. Mas o bicho insistia, caindo em nossas gentis garras.

Pessoas, organizações, empresas, países, repetem o comportamento do mico: assumem estratégias e não renunciam a elas, chova ou bata sol. Estratégia deixa de ser a adaptação a um entorno altamente mutável para tornar-se aderência a um plano preestabelecido a ser cumprido à risca. Na batalha de Azincourt ( 1415), os ingleses, inferiorizados em número, andrajosos e famintos, venceram os franceses cujo excesso de confiança na superioridade numérica levou-os a desprezar a chuva e a lama que tornava o terreno impraticável para a eficácia da cavalaria e pesadas armaduras.

Em Kinshasha, na luta do século entre Muhammad Ali versus George Foreman, em 1974, o plano do primeiro era cansar o adversário e vencê-lo pela técnica e a velocidade lutando no meio do ringue. Logo no primeiro round percebeu que não agüentaria um segundo (round) lutando desta forma. Adaptou sua estratégia “descansando” nas cordas. Foreman, com excesso de confiança, não percebeu a armadilha e acabou sendo derrubado. Fiel às recomendações superiores, permaneceu na lona à espera da ordem para levantar. Quando esta chegou, já era tarde.

Henry Mintzberg, nos diz Fabio Mariotto em oportuno artigo ( Rae…), desenvolveu o conceito de estratégia emergente como aquela linha de ação que vai surgindo a cada momento, na dependência das circunstâncias e que as organizações muitas vezes assumem quase sem perceber, embora não chegando ao extremo de um Theremin, no qual são os movimentos do corpo que produzem a música e não o contrário.

Lenin diferenciava tática-plano da tática-processo, esta última a preferida do líder bolchevique – e irmã siamesa da estratégia emergente. Keynes perguntava ironicamente: se a realidade muda, eu mudo (em minha análise), e você?

Tais manobras adaptativas dependem da capacidade dos dirigentes, seja de conduzir exércitos ou liderar equipes de especialistas do Banco Central. Perceber, em uma fração de segundo, mudanças no entorno e ajustar as estratégias: eis aí uma das principais habilidades de um dirigente. Hernan Cortez, o conquistador de Tenóchtitlan, que o diga, embora uma boa dose de sorte ajude bastante – como foi o caso.

A perseguição obsessiva das metas de inflação lembra os tempos em que se tentava a qualquer custo manter a inflação zero. O fracasso desta última estratégia pétrea sugere que nossas autoridades monetárias deveriam, de vez em quando, ouvir qualquer sucesso dos “Mutantes”.

Artigo publicado na Revista RAE da EAESP-FGVSP www.rae.com.br